quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013


SEMINÁRIO INTERNACIONAL EDUCAÇÃO SUPERIOR E SUAS TENDÊNCIAS PARA O SÉCULO XXI – Campo Grande-MS - 1999
TEMA: UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Fani Mamede

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI

A Agenda XXI é um documento assinado por 170 países, durante a RIO-92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Representa o maior esforço conjunto feito por governos de todo o mundo, reunindo ações e estratégias que combinem desenvolvimento econômico e social com proteção do meio ambiente.

O Capítulo 36, “Promovendo a Conscientização Ambiental” é que trata mais especificamente da educação e do papel a ela reservado na promoção do desenvolvimento sustentável.

Segundo o texto deste capítulo, países, escolas e/ou instituições, assim como organizações internacionais devem empreender dois esforços principais: o primeiro está relacionado à universalização da educação básica e à diminuição do analfabetismo, propondo a meta de atendimento à população infantil com idade escolar, em no mínimo 80% até o ano 2000.

Contempla também a população adulta, falando em treinamento, desenvolvimento de habilidades para o trabalho e de aperfeiçoamento técnico.

O segundo esforço está mais diretamente referido à educação ambiental, recomendando que seja ensinada em todos os níveis e que integre os conceitos de meio ambiente e desenvolvimento, enfatizando na discussão os problemas locais. Valoriza tanto a educação formal quanto a educação não formal.

Como se trata de um documento essencialmente orientador, redigido por muitas mãos, não há grande preocupação com o detalhamento teórico dos conceitos utilizados. Neste Capítulo, a educação para o desenvolvimento sustentável se resume em dois processos pedagógicos complementares: o primeiro seria o da “conscientização”, entendida como compreensão das relações entre sociedades humanas e natureza, entre meio ambiente e desenvolvimento, entre os níveis global e local; e o segundo como “comportamento”, visto como desenvolvimento de atitudes menos predatórias e de habilidades científicas e técnicas orientadas para a sustentabilidade.

Com relação a formação e capacitação, a Agenda 21 propõe um amplo programa de desenvolvimento de recursos humanos. As mudanças previstas no sistema produtivo e na área da inovação tecnológica no futuro próximo demandam, de maneira decisiva, que se multipliquem os esforços educacionais orientados para a formação de agentes técnicos e econômicos da sustentabilidade.

No aspecto da promoção da mudança de atitudes, há um forte apelo para que governos e organizações da sociedade dêem início a programas que tenham por objetivo formar consciências individuais e coletivas, voltadas às ações cooperativas e integradoras.

Para uma melhor compreensão do tipo de educação que está sendo proposta, capaz de promover o desenvolvimento sustentável, é preciso verificar em que linha de valores ela se estrutura e organiza seus conteúdos. Neste sentido, o documento da Agenda é rico e sugestivo.

OS PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA AGENDA 21


·     Cooperação
Ao longo de todo o documento e reforçada a necessidade da cooperação entre países, entre diferentes níveis de governo, nacional e local, e entre os diferentes segmentos e atores sociais. Todo o texto conclama de diferentes formas, os setores, os governos e os atores a colaborarem e a participarem de todo o processo. Os conceitos de cooperação e parceria aparecem como os conceitos operacionais chaves no processo político de implementação da Agenda.

·     Igualdade de direitos e fortalecimento dos grupos socialmente vulneráveis ou em desvantagem relativa

Outra ênfase relevante está na necessidade de se incluir e reforçar todos os grupos sociais e politicamente vulneráveis, ou em desvantagem relativa, como crianças, jovens e idosos, deficientes, mulheres, populações tradicionais e indígenas, buscando não só para estes grupos a básica igualdade de direitos e de participação como trazer para o processo a contribuição valiosa e específica de cada um deles em termos dos seus valores, conhecimentos e sensibilidade.

·     Democracia e participação

Do ponto de vista dos valores, a Agenda 21 aparece como um instrumento extraordinariamente reforçador dos ideais democráticos, onde a igualdade de direitos, o combate à pobreza, o respeito à diversidade cultural são fortemente proclamados.

A Agenda 21 não só adota mas consagra as metodologias participativas que há muito vinham sendo empregadas, de modo periférico, aos sistemas de poder. O que torna a Agenda 21 tão atraente para as organizações e grupos profundamente comprometidos com os valores democráticos é justamente a centralidade que a participação ocupa na sua metodologia de implantação. Por isso, o programa da Agenda 21 pode ser visto como propiciador de um processo que adensa a experiência democrática dos países.

·     A sustentabilidade como uma ética

A sustentabilidade, conceito que serve de eixo ao termo “desenvolvimento sustentável” é afirmada como um valor na Agenda 21. Estabelece definitivamente a noção de que não haverá sustentabilidade ambiental sem sustentabilidade social. Esta indissociabilidade de ambas as noções implica uma ética em que a sustentabilidade para ser alcançada exige estratégias em escala planetária de combate à pobreza, à intolerância e à beligerância. Implica ainda o desenvolvimento de novas formas de solidariedade de modo a garantir índices de governabilidade compatíveis com o projeto global da sustentabilidade.

·     A globalização positiva

Diante das visões negativas da globalização e das análises que a vêem como um processo que adensa as desigualdades existentes entre países, povos e grupos, a Agenda 21 é uma espécie de agenda positiva da globalização. A expressão de um projeto global onde se procura dar respostas e soluções à chamada crise ambiental planetária, vista também como crise civilizatória, que afeta todos os povos do planeta.

Reorientar o vetor de nossa civilização no sentido da sustentabilidade não é tarefa para uns poucos privilegiados. O projeto global da sustentabilidade, tal como é concebido na Agenda 21, afirma duas idéias positivas que reforçam uma concepção otimista da globalização: a co-reponsabilidade implicando a idéia de co-gestão, e a solidariedade em escala planetária.

OS COMPROMISSOS DOS PAÍSES COM A AGENDA 21


Em 1992 foram estabelecidas metas para os governos que deveriam ser cumpridas até a primeira data de revisão da Agenda marcada para 5 anos depois, quais sejam: Ô divulgar a Agenda; Ôrealizar processos de consulta amplos e participativos, envolvendo os vários níveis de governo, representantes do setor produtivo e das organizações da sociedade; Ô fazer diagnósticos e elaborar estratégias nacionais de implementação de programas nas linhas de ação recomendadas pela Agenda.

O Brasil está atrasado na sua campanha nacional e só recentemente instalou a sua Comissão Nacional de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável. Embora o binômio educação e sustentabilidade não seja novo no campo da educação ambiental, o fato é que a Agenda 21 nos coloca a necessidade de dar concretude a todos os seus possíveis componentes.

Por isso, podemos afirmar que educar no espírito da Agenda 21 é praticar uma educação orientada para a sustentabilidade.

EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE


Uma sociedade orientada para a sustentabilidade redefinirá suas relações para com o meio ambiente, respeitando seus processos metabólicos no que diz respeito à poluição, assim como a sua capacidade de repor os seus recursos renováveis. No caso dos recursos não renováveis, a alternativa é a substituição e o investimento em tecnologias alternativas.

As sociedades sustentáveis combatem o desperdício, levam em conta o processo coletivo, e o bem comum sem violar os direitos individuais da pessoa. O projeto das sociedades sustentáveis é bio-político, unificador em termos da racionalidade que propõe, mas defensor da diversidade bio-sócio-cultural.

O papel da educação ambiental nas sociedades que ainda não são sustentáveis é o de propiciá-la. É o de sustentabilizar as práticas sociais e o domínio específico da educação, entendida como socialização dos indivíduos e construção do cidadão.

O caminho mais fecundo para se estabelecer uma diretriz para o campo da educação ambiental hoje, campo este que ainda está se construindo, no calor das práticas diversas e idealistas, está indicado em dois principais veios teórico-práticos da educação.

O primeiro pode ser identificado sob o rótulo de “educação para a cidadania”, imbricado na ação política, este legado teórico-prático coloca à disposição uma série de instrumentos pedagógicos que, sem dúvida, otimizam uma perspectiva de sustentabilidade. A “educação para a cidadania” apoia-se em metodologias da Agenda 21, ancoradas em processos participativos e na idéia de que a sociedade é uma construção coletiva.

O segundo é aquele que trabalha o nível da cognição, do entendimento racional e emocional que os indivíduos e grupos constróem a respeito de si mesmos e das coisas. É a alfabetização ecológica, que propõe universalizar a compreensão básica de que a vida é uma teia de relações interdependentes, devendo o ser humano dominar as noções fundamentais de ecologia (natural e humana).

O PAPEL DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A SUSTENTABILIDADE

Não existe, ao que se saiba, melhor instrumento de transmissão que aquele disponibilizado pela escola e pela educação sistemática, este conjunto de práticas e de conteúdos de informação que a sociedade acumula, seleciona e redefine de tempos em tempos.

O projeto de uma sociedade sustentável, e o programa da Agenda 21 nos conclama a olharmos para os nossos legados e fazermos a eles, perguntas cruciais: Como educar para a paz? Como educar para a cooperação e a solidariedade? Como construir a “cidadania ecológica?” Como frear a racionalidade predatória que predomina em nosso modo de nos organizarmos social e economicamente? Como construirmos novas formas de pensar a relação entre natureza e cultura?

Neste sentido, a escola é agência privilegiada na promoção dos novos valores que desejamos tornar vigentes. O papel dos educadores, e da educação ambiental em particular, é, em primeiro lugar o de clarificar o conceito de sustentabilidade, que não é um conceito óbvio, e constituir junto à sua clientela (pais, alunos, professores e comunidade) seus componentes.

Como todo conceito novo, não basta dizer só o que ele significa em tese, é preciso também deixar claro como ele modifica as nossas vidas e como implementá-lo na prática, no cotidiano.

Fora dos encontros acadêmicos, a sustentabilidade tem sido pensada e proclamada como estando embutida dentro do conceito de desenvolvimento sustentável, necessidade de promover o desenvolvimento econômico sem aumentar a degradação do meio ambiente.

Tentando entender e esmiuçar o conteúdo desta sustentabilidade afirmada a partir daí como possível, tem sido feito todo um esforço no sentido de definir o conceito, ampliando seu escopo de atuação e significado. Assim, o desenvolvimento sustentável, não como um novo modelo de desenvolvimento apenas, mas também como um novo paradigma, passou a ser entendido, nos debates que seguiram à Rio-92, como sendo o nome do processo que levará à sociedade sustentável: aquela capaz de produzir sustentabilidade econômica, cultural, social e ambiental.

Pensar a indissociabilidade dos fenômenos, ou seja pensar que a sustentabilidade ambiental não vai existir sem a sustentabilidade social, e vice-versa, faz parte da própria maneira de pensar dos ambientalistas e agora pelos denominados sustentabilistas, que acreditam firmemente na interdependência de todas as coisas e numa cadeia de relações que não é linear, mas circular.

A questão, no entanto, que se coloca para os formuladores de políticas governamentais e para os atores sociais interessados em serem agentes de mudança, e sobretudo para os educadores de um modo geral, está em como aplicar este conceito de sustentabilidade.

O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DO MMA

A educação ambiental é, sem dúvida alguma, a grande ferramenta mundial na preparação do ser humano para o entendimento dos ideais de sustentabilidade, que só poderão ser alcançados com a revisão dos valores humanos, das atitudes éticas e dos comportamentos concretos, tanto, dos homens entre si, como destes, com a natureza.

O Ministério do Meio Ambiente, reconhecendo que a educação ambiental é o instrumento indispensável para a sustentabilidade, instituiu, em fevereiro de 1999, o Programa Nacional de Educação Ambiental.

Cumprindo com os mandatos constitucionais e legais da Política Nacional de Educação Ambiental, Lei nº 9795/99 e se antecipando a necessidade de revisão e atualização das diretrizes nacionais às novas situações políticas, sociais e educativas do país, reconhecendo a educação ambiental como instrumento indispensável para compatibilizar desenvolvimento econômico com proteção ambiental, justiça social e melhoria da qualidade de vida, o Programa Nacional de Educação Ambiental, tem como princípios orientadores:

·     Enfoque Humanista, Holístico, Democrático e Participativo

A gestão ambiental é um processo de mediação de interesses e conflitos entre atores sociais que atuam sobre o meio ambiente.

Esse processo de mediação define e redefine, continuamente, o modo como os diferentes atores sociais, através de suas práticas, alteram a qualidade do meio ambiente e também como se distribuem na sociedade os custos e os benefícios decorrentes da ação destes agentes.

Na medida em que o conteúdo da Educação Ambiental se situa na relação sociedade-natureza, a sua prática deve contar, necessariamente com a participação dos segmentos sociais interessados na formulação, execução e avaliação das ações educativas.

·     Descentralização

É necessário que as ações de Educação Ambiental sejam concebidas e executadas de forma descentralizada no contexto da co-responsabilidade da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecida na Constituição Federal de garantir, à população, os direitos à educação e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A descentralização não pode ser compreendida como mero mecanismo de transferência de tarefas administrativas ou o repasse de atribuições para outras esferas de governo.

É necessário que no processo de descentralização se estabeleça o controle da sociedade sobre as ações do Poder Público. Neste sentido, a participação da sociedade organizada na gestão e execução dos programas decorrentes da Política Nacional de Educação Ambiental é de fundamental importância.

·     Integração e estabelecimento de parcerias, local, nacional e internacional

O estabelecimento de parcerias amplas no nível local, regional, nacional e internacional apresenta-se como um instrumento imprescindível para o êxito da Política Nacional de Educação Ambiental.

Deve ser entendida como uma prática interinstitucional, voltada para o trabalho conjunto, com definição das responsabilidades de cada parceiro perante a sociedade.

A integração das ações, entre os âmbitos governamentais, em seus diversos níveis com as organizações não governamentais, empresas, sindicatos, e outras organizações da sociedade civil, permitirá uma melhor utilização dos recursos financeiros e humanos existentes, possibilitando a obtenção e multiplicação de resultados no curto e médio prazo.

·     Respeito a pluralidade e diversidade cultural do país

A prática da educação ambiental tem como um dos seus pressupostos o respeito aos processos sociais, culturais, étnicos, característicos de cada país, região ou comunidade.

No Brasil a existência de diferentes contextos ecológicos, sócio culturais e étnicos, cada um com suas especificidades, constitui-se numa das riquezas potenciais do país para o processo de construção de modelos alternativos de desenvolvimento sustentável. Isto significa reconhecer que há diferentes formas de relacionamento entre as sociedades locais e sua base de recursos naturais. Esses diferentes modos de relacionamento determinam a existência de conhecimentos, valores e atitudes que devem ser considerados e respeitados na formulação, execução e avaliação da prática da educação ambiental.

·     Multi, inter e transdisciplinaridade

A compreensão da complexidade da questão ambiental exige uma abordagem metodológica que, sem abrir mão do saber científico especializado, supere a fragmentação dos diferentes compartimentos disciplinares em que estão divididas as diversas áreas do conhecimento.

É necessário se utilizar da contribuição das várias disciplinas (conteúdo e método) e das várias representações sociais dos agentes envolvidos, para se construir uma base comum de compreensão e atuação sobre o problema ou potencialidade ambiental identificada.

Implica superar a compartimentação do ato de conhecer, provocada pela especialização do trabalho científico e também, a superação da dicotomia teoria –prática em educação. Considerar a importância dos conhecimentos das populações envolvidas, tendo em vista a especificidade do contexto cultural e natural em que são produzidos e as formas de relações entre a sociedade e a natureza que eles manifestam.

A integração dos diversos enfoques científicos e comunitários, num processo interdisciplinar, se opera através da construção de um modelo mental baseado na idéia de interação entre os diferentes fatores que incidem num problema. É um processo cíclico, onde duas ou mais espécies de conceitos evoluem conjuntamente e conduzem à compreensão de um novo nível de complexidade.

·     Enfoque sistêmico

É impossível conceber a complexidade dos problemas e as potencialidades sócio ambientais e educacionais, e atuar sobre eles, sem uma visão sistêmica, que possibilite conceber o conjunto das inter-relações, e as múltiplas determinações dinâmicas entre os âmbitos naturais, culturais, históricos, sociais, econômicos e políticos

A educação ambiental deve considerar a necessidade de compreender o enfoque sistêmico, como um instrumento capaz de encontrar as explicações que integrem os múltiplos aspectos da problemática ambiental contemporânea.

·     A construção social de novos valores éticos

Entender o ambiente, como um fenômeno complexo, sistêmico e global emergente, significa aproximarmos dele à partir de um novo paradigma conceitual, metodológico e ético.

O desafio que se coloca para a educação ambiental, enquanto prática dialógica, é o de criar condições para a participação dos diferentes segmentos sociais, tanto na formulação de políticas para o meio ambiente, quanto na concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do meio natural, social e cultural.

As propostas de uma ética centrada na valorização da vida, modifica profundamente nossas atitudes e relações. Uma ética centrada na vida implica a superação do antropomorfismo, e também das posturas reducionistas do ecologismo, que centravam-se exclusivamente na natureza.

Seus princípios fundamentais são: a dignidade do ser humano, a formação da cidadania democrática, respeito mútuo, justiça, equidade, auto-estima, diálogo, generosidade e solidariedade.

O desenvolvimento de novas atitudes e valores democráticos que viabilizem a participação critica nas decisões políticas e econômicas, tanto no nível local, como global, pode significar um grande impacto para a transformação da sociedade e das relações desta com a natureza.

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