quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013


A  ARTE DE EDUCAR EM DIREÇÃO A QUALIDADE AMBIENTAL, EDUCAR PARA A VIDA


As manifestações artísticas, de um modo geral, refletem os acontecimentos da própria vida. Contam que um discípulo de Michelangelo Buonarroti, escultor nascido no século XV, perguntou a ele, certa vez: “Mestre, como consegues esculpir obras tão fantasticamente belas, de onde vem toda essa inspiração?” Michelangelo respondeu: “As formas já estão  esculpidas dentro dos blocos de mármore, eu apenas retiro delas o que não lhes pertence”.

Victor Hugo disse, referindo-se ao compositor alemão, nascido no século XVIII, acometido por um processo de surdez, Ludwig Van Beethoven: “Este surdo ouvia o infinito”. Giuseppe Verdi, compositor italiano, nascido no século XIX, autor de 26 óperas, exprimia nas suas obras paixões fortes e verdadeiras, “eco perturbador do coração da multidão anônima, onde o herói vai buscar a sua humanidade”.

Na arte literária, Inácio Loyola Brandão, diz que o escritor é igual a todas as pessoas, ele somente coloca no papel o que elas vivem no cotidiano.

E a arte de educar? É a reprodução das normas, condutas, comportamentos e atitudes sociais? O que significa educar para a vida? Como reconduzir o processo pedagógico para que verdadeiramente a arte de educar possa compor este belíssimo contexto histórico-artístico-cultural?

Deverá a educação ambiental reproduzir os valores que até então têm conduzido a humanidade para o desequilíbrio ambiental, utilizando-se do processo tradicional de ensino-aprendizagem?

O desafio desta “arte” de educar reside na negação desta proposta convencional. A educação ambiental é, sem sombra de dúvidas, a ferramenta transformadora nas relações do ser humano com o seu meio ambiente, alicerçada num constante processo de ação-reflexão-ação, amplamente difundido por Paulo Freire. Educar para o meio ambiente é ousar, revolucionar, num processo contínuo e permanente.

Esta proposta educativa não pode ser a reprodução de uma cultura sócioambiental até então vivida em nosso planeta, pois ela surgiu pela identificação da necessidade de construção dessas novas relações. É o caminho que reflete os anseios daqueles que vêem a solução de sobrevivência das espécies, num novo modelo civilizatório.

A construção de um novo modelo civilizatório é o resultado da adaptação dos tradicionais conceitos e culturas sócio-econômico-ambientais para um novo panorama planetário. Não numa proposta globalizada de massacre cultural, mas num olhar maduro de compreensão e aceitação do processo evolutivo do ser humano e a partir daí, a reconstrução de uma nova filosofia de vida.

Numa primeira avaliação, parece-nos uma utopia, mas considerando ser a única opção, traduz-se num outro momento, como uma utopia possível. É um construir e reconstruir a cada passo. São os passos de uma formiguinha, que vai a cada alvorecer, apresentando um novo quadro, incorporando novas mudanças.

Dentro deste contexto, fazendo uma avaliação do quadro geral do nosso país, constatamos que, a despeito da legislação existente, os problemas ambientais persistem.

Para que uma proposta educativa seja desenhada, na busca de um novo quadro ambiental para as diversas regiões brasileiras, deve-se identificar a origem desses desequilíbrios.

Num passeio pelo Brasil, verificamos que no sul, a degradação dos ecossistemas costeiros, assim como a intensa substituição da vegetação nativa pela agricultura, gerou perda de biodiversidade e contaminação de recursos hídricos.

A região sudeste do país, centro econômico do Brasil, tem seus problemas ambientais ligados ao processo de desenvolvimento que gerou o êxodo rural e a conseqüente expansão urbana. Como conseqüência deste processo de desenvolvimento desordenado, apontamos a ocupação irregular do solo, inclusive em áreas de risco; a falta de infra-estrutura urbana; a degradação da mata atlântica, com irreversível perda de espécies; a poluição dos recursos hídricos; e os altos índices de poluição do ar e sonora, causados pelo grande número de indústrias e agravado pela grande quantidade de veículos automotores.

A região nordeste, guarda grande diversidade cultural e uma multiplicidade de ecossistemas e ainda não teve seu potencial adequadamente avaliado, carecendo sua população de projetos que venham promover um desenvolvimento ambientalmente adequado.

A região norte, que teve projetos de desenvolvimento econômico implantados a partir da década de 70, sofre com os altos custos ambientais decorrentes de tais projetos. Por ser o grande celeiro da biodiversidade mundial, a região tem sido alvo de interesses internacionais e sem dúvida é um grande desafio para este final de século.

Prosseguindo a nossa leitura regional, no que cabe a região centro-oeste, observamos que a sua ocupação intensificou-se a partir de meados da década de cinqüenta, com a construção de Brasília e das vias de acesso à região. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, 37% da cobertura original do cerrado já foi substituída por paisagem antrópica, incluindo-se o meio urbano. Até o ano 2000 acredita-se que a substituição seja da ordem de 48%.

Além da perda da biodiversidade, existe um outro problema até então pouco discutido. Esta é a região de fundamental importância para a recarga dos mananciais brasileiros. As águas que aqui nascem fluem para as três grandes bacias hidrográficas do país: a Platina a Amazônica e a do São Francisco.

Após esta rápida reflexão dos desafios ambientais com os quais nos confrontamos nas diversas regiões brasileiras, constatamos, mais uma vez, que a educação ambiental é o único caminho que levará à transformação do ser humano para a solução desses problemas ambientais e a conseqüente recuperação da qualidade de vida.

Mais uma vez, parafraseando Paulo Freire, identificamos esse processo educativo como uma arte libertadora. Libertadora de uma visão reducionista, limitada e antropocêntrica; libertadora de valores e posturas predatórias ao meio ambiente; e libertadora de comportamentos humanos que neguem um dos princípios fundamentais da educação ambiental, “a construção social de novos valores éticos”.

Segundo a Profa. Nana Mininni Medina, “As propostas de uma ética centrada na valorização da vida, modifica profundamente nossas atitudes e relações. Uma ética centrada na vida implica a superação do antropomorfismo, e também das posturas reducionistas do ecologismo, que se centravam exclusivamente na natureza. Seus princípios fundamentais são: a dignidade do ser humano, a formação da cidadania democrática, respeito mútuo, justiça, equidade, auto-estima, diálogo, generosidade e solidariedade”.

Um dia certamente, teremos um grande livro de arte, repleto de grandes e notáveis nomes de educadores que hoje e sempre escrevem e reescrevem em ações as histórias que levam ao caminho da construção do conhecimento e das relações respeitosas e generosas do ser humano com seu semelhante e destes com todas as outras espécies de vida que povoam este planeta.

Fani Mamede- Artigo publicado em 1999

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