sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013


Rede GTA (Grupo de Trabalho Amazônico) na Defesa do Código Florestal Brasileiro

Sob o pretexto esdrúxulo de garantir a segurança alimentar no país e defender os interesses dos agricultores familiares foi formulado pela bancada ruralista da Câmara dos Deputados, que detém a visão mais conservadora e atrasada do setor agropecuário brasileiro, o substitutivo do Código Florestal Brasileiro, relatado e defendido pelo Dep. Aldo Rebelo (PC do B – SP).

O Código Florestal foi instituído em 23 de janeiro de 1934. Trata-se de uma lei com mais de 70 anos que sofreu, ao longo desses anos, diversas modificações. A Lei estabelece que as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, esquecendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação prevê.

A legislação prevê dois tipos de áreas que devem se conservadas nos imóveis rurais, as áreas de preservação permanentes e as reservas legais. Dentre as atualizações do Código Florestal estão os estudos realizados em 1988 que indicaram a necessidade de se proceder à revisão de artigos com o intuito de estabelecer um instrumento legal, atualizado e operacional, considerando que se trata de “medida indispensável para a efetiva conservação das reservas legais nas propriedades rurais, impedindo sua retalhação e progressiva destruição, estabelecendo-se o gravame dessas áreas nos cartórios de registro de imóveis, assegurando uma maior eficácia no controle do desmatamento e da destruição das florestas”[1].

A garantia da conservação da reserva legal exige a realização de um procedimento de averbação da área, que visa garantir o registro da reserva legal nos imóveis rurais. A área destinada como reserva legal cumpre várias funções na propriedade, dentre elas a de oferecer abrigo e permitir o fluxo entre as diversas variedades da fauna e da flora conservando a biodiversidade.

Além de garantir a manutenção da área de reserva legal nos imóveis rurais a Lei estabelece a regularização das áreas de preservação permanente. Essas áreas são destinadas à proteção e preservação ambiental, não podem ser exploradas e devem ser protegidas e conservadas, servem para proteção das terras em locais críticos como os topos de morros e terrenos com grande declividade onde a retirada da vegetação pode causar a erosão e a degradação do solo e também para proteção das águas e mananciais, evitando a sua contaminação.

O Código Florestal agrega dispositivos por muitos considerados extremados, no intuito de conter a destruição de recursos naturais. Mas, flexibilizar uma legislação que minimamente vem protegendo as florestas brasileiras, significa um grande retrocesso, uma opção por um caminho que vai na contramão dos pensamentos e atitudes globais. Seguramente trará um impacto devastador para o Brasil.

No dia 24 de maio de 2011 o país deu o primeiro passo a caminho da degradação das áreas florestadas brasileiras. A Câmara dos Deputados, formada por representantes eleitos pelo povo brasileiro para exercer atividades que viabilizem a realização dos anseios dessa população, aprovou com maioria esmagadora o substitutivo do Dep. Aldo Rebelo e a Emenda de Plenário nº 164.

O substitutivo será votadono Senado Federal. Se passar por aquela casa sem modificações e for aprovado, seguirá para sansão presidencial. Caso haja alguma mudança, o projeto retorna para Câmara para nova apreciação do item que venha a ser modificado. Mesmo se aprovado pelas duas Casas, a proposta ou aspectos pontuais dela ainda podem ser vetados pela presidenta Dilma Rousseff.

De acordo com o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado no início deste mês, Comunicado nº 96, Código Florestal: Implicações do PL 1876/99 nas Áreas de Reserva Legal[2], com a aprovação do Substitutivo cerca de 29 milhões de hectares de mata nativa deixarão de ser recuperados no país, considerando ainda como risco da isenção, que 47 milhões de hectares poderão ser perdidos.

Segundo o estudo supracitado, 60% dessa área não recuperada estão na Amazônia brasileira. De acordo com o atual Código Florestal Brasileiro ainda vigente, o proprietário de terra no bioma amazônico pode utilizar apenas 20% da área para outros usos que não o florestal, como pecuária e agricultura. Os demais 80% devem permanecer com cobertura florestal e sua utilização é regulada pelo governo.

A alteração do Código Florestal não somente trará impactos significativos sobre a área com vegetação nativa dos biomas, mas principalmente, sobre os compromissos assumidos pelo Brasil para a redução de emissões de carbono. O estudo aponta que uma forma de valorar a manutenção e a recuperação das áreas protegidas seria considerar o volume de emissões de CO2 que seria evitado ou compensado. “A recuperação da reserva legal desmatada compensaria a emissão de 3,15 bilhões de toneladas de carbono. Seria o suficiente para cumprir durante quatro anos a meta de redução de emissão por desmatamento assumida pelo governo brasileiro”, afirma os autores da avaliação.

As alterações proposta pelo Substitutivo do Dep. Aldo Rebelo, terão também outros impactos, como potenciais danos à biodiversidade, aos recursos hídricos, à polinização de plantas e propagação de doenças, que afetarão sobremaneira a sustentabilidade das diferentes formas de vida no planeta e o desenvolvimento socioeconômico das populações que aqui habitam.

Não podemos deixar que prevaleçam os resultados dessas negociações exclusivas do agronegócio, que é justamente o maior responsável pelo desmatamento e pela degradação do meio ambiente. É preciso enxergar o Brasil de uma forma mais ampla. É possível garantir a produtividade sem permitir que seja cometido um crime ambiental dessa grandeza. Aprovando as mudanças no Código Florestal pedidas pelos representantes do agronegócio brasileiro, estaremos autorizando a continuidade do desmatamento e criando a cumplicidade na perda de bens materiais, de vidas humanas e não humanas e na degradação da natureza.

Indo por esse caminho, estaremos privilegiando aqueles que estão irregulares e punindo aqueles que estão fazendo o reflorestamento de áreas degradadas. Ao fortalecer o modo de exploração pautado no agronegócio a legislação promove o enfraquecimento do modo de vida e de produção da agricultura familiar e consequentemente a proteção do meio ambiente.

As mudanças no Código Florestal conduzidas pelos representantes do agronegócio brasileiro trarão o seguinte resultado para o país:

·         Anistia de recomposição de reserva legal não apenas para a agricultura familiar, como defendem os movimentos sociais e as ONG socioambientais, mas para todos os imóveis rurais do país com área total de até 4 Módulos Fiscais (medidas que variam de acordo com os municípios brasileiros de 20 a 400 ha). As multas existentes somam o total R$ 10 bilhões, sendo a maioria de imóveis do agronegócio, principalmente dos setores da soja, pecuária, cana-de-açúcar, café e celulose. As áreas de reserva legal ajudam no clima local, na manutenção dos riachos, na adubação do solo e na prevenção de erosões.
·         Supressão do poder regulamentar do CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) sobre as hipóteses de utilidade pública, interesse social e baixo impacto, além dos parâmetros das áreas de preservação permanente.
·         Redução da área de preservação permanente nas margens de cursos d’água, permissão de práticas agropecuárias em topos de morro e nas áreas de uso restrito e retirada dos manguezais e veredas das áreas de preservação. Complementada pelas medidas da Emenda Parlamentar de Plenário nº 164 aprovada, que permite inclusive o uso de todas as áreas de preservação permanente para atividades agropecuárias, flexibilizando definitivamente o uso dessas áreas.
·         Permissão para que as áreas desmatadas continuem a ser exploradas até que os órgãos estaduais de meio ambiente criem um programa de regularização ambiental. Os órgãos não possuem infraestrutura suficiente para cumprir em curto e médio prazo essa medida.
·         Permissão para compensação das áreas de reservas legais em qualquer parte do bioma onde está o imóvel original.
·         Estímulo a novos desmatamentos ao permitir que não somente desmatamentos anteriores a julho de 2008 sejam regularizados com recomposição de áreas com espécies exóticas, compensação de vegetação fora da bacia hidrográfica ou beneficiamento com redução da reserva legal na Amazônia para fins de regularização.
·         Desobrigação aos órgãos ambientais de embargar os novos desmatamentos ilegais permitindo o acesso de novos desmatadores ilegais a crédito público.
·         Aumento das exigências e da burocracia para a agricultura familiar e comunidades tradicionais no desenvolvimento das atividades produtivas e socioeconômicas.
·         Comprometimento da função social da propriedade. Além de regularizar o crime ambiental em latifúndios não haverá mais possibilidade de desapropriação de áreas por problemas ambientais para uso da reforma agrária.

Formada por 18 coletivos regionais em nove estados brasileiros que ocupam mais da metade do tamanho do país, com mais de 600 entidades representativas de comunidades locais e povos indígenas, a Rede GTA repudia o Substitutivo ao Código Florestal do líder da bancada ruralista.

Trata-se de uma Rede de defesa efetiva da floresta e dos povos que nela habitam que forma um elo entre as organizações que se unem para lutar pelos objetivos comuns, defesa pela permanência da floresta em pé e direito para que os povos tenham condições de permanecer na floresta e viver de forma digna.

Somos representantes de organizações e movimentos socioambientais, extrativistas, quebradeiras de coco de babaçu, quilombolas, agricultores familiares, mulheres, pescadores artesanais, ribeirinhos, povos indígenas e comunidades tradicionais que compartilham a luta contra o desmatamento e a degradação florestal por justiça ambiental na Amazônia e no Brasil.
Artigo publicado em 2011





[1] Exposição de motivos registrada no Projeto de Lei n. 2.114/1989 – Câmara dos Deputados, Coordenação de Arquivos, Centro de Documentos e Informações.

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