SEMINÁRIO INTERNACIONAL EDUCAÇÃO SUPERIOR E SUAS TENDÊNCIAS PARA O
SÉCULO XXI – Campo Grande-MS - 1999
TEMA: UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Fani Mamede
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS
DESAFIOS DO SÉCULO XXI
A Agenda XXI é um documento assinado por 170 países,
durante a RIO-92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Representa o maior esforço conjunto feito por governos
de todo o mundo, reunindo ações e estratégias que combinem desenvolvimento
econômico e social com proteção do meio ambiente.
O
Capítulo 36, “Promovendo a Conscientização Ambiental” é que trata mais
especificamente da educação e do papel a ela reservado na promoção do
desenvolvimento sustentável.
Segundo o texto deste capítulo,
países, escolas e/ou instituições, assim como organizações internacionais devem
empreender dois esforços principais: o primeiro está relacionado à universalização
da educação básica e à diminuição do analfabetismo, propondo a meta de
atendimento à população infantil com idade escolar, em no mínimo 80% até o ano
2000.
Contempla também a população
adulta, falando em treinamento, desenvolvimento de habilidades para o trabalho
e de aperfeiçoamento técnico.
O segundo esforço está mais
diretamente referido à educação ambiental, recomendando que seja ensinada em
todos os níveis e que integre os conceitos de meio ambiente e desenvolvimento,
enfatizando na discussão os problemas locais. Valoriza tanto a educação formal
quanto a educação não formal.
Como se trata de um documento
essencialmente orientador, redigido por muitas mãos, não há grande preocupação
com o detalhamento teórico dos conceitos utilizados. Neste Capítulo, a educação
para o desenvolvimento sustentável se resume em dois processos pedagógicos
complementares: o primeiro seria o da “conscientização”, entendida como
compreensão das relações entre sociedades humanas e natureza, entre meio
ambiente e desenvolvimento, entre os níveis global e local; e o segundo como
“comportamento”, visto como desenvolvimento de atitudes menos predatórias e de
habilidades científicas e técnicas orientadas para a sustentabilidade.
Com relação a formação e
capacitação, a Agenda 21 propõe um amplo programa de desenvolvimento de
recursos humanos. As mudanças previstas no sistema produtivo e na área da
inovação tecnológica no futuro próximo demandam, de maneira decisiva, que se
multipliquem os esforços educacionais orientados para a formação de agentes
técnicos e econômicos da sustentabilidade.
No aspecto da promoção da mudança
de atitudes, há um forte apelo para que governos e organizações da sociedade
dêem início a programas que tenham por objetivo formar consciências individuais
e coletivas, voltadas às ações cooperativas e integradoras.
Para uma melhor compreensão do
tipo de educação que está sendo proposta, capaz de promover o desenvolvimento
sustentável, é preciso verificar em que linha de valores ela se estrutura e
organiza seus conteúdos. Neste sentido, o documento da Agenda é rico e
sugestivo.
OS PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA AGENDA 21
· Cooperação
Ao longo de todo o documento e
reforçada a necessidade da cooperação entre países, entre diferentes níveis de
governo, nacional e local, e entre os diferentes segmentos e atores sociais.
Todo o texto conclama de diferentes formas, os setores, os governos e os atores
a colaborarem e a participarem de todo o processo. Os conceitos de cooperação
e parceria aparecem como os conceitos operacionais chaves no processo
político de implementação da Agenda.
· Igualdade de direitos e fortalecimento dos grupos
socialmente vulneráveis ou em desvantagem relativa
Outra
ênfase relevante está na necessidade de se incluir e reforçar todos os grupos
sociais e politicamente vulneráveis, ou em desvantagem relativa, como crianças,
jovens e idosos, deficientes, mulheres, populações tradicionais e indígenas,
buscando não só para estes grupos a básica igualdade de direitos e de
participação como trazer para o processo a contribuição valiosa e específica de
cada um deles em termos dos seus valores, conhecimentos e sensibilidade.
· Democracia e participação
Do ponto de vista dos valores, a
Agenda 21 aparece como um instrumento extraordinariamente reforçador dos ideais
democráticos, onde a igualdade de direitos, o combate à pobreza, o respeito à
diversidade cultural são fortemente proclamados.
A Agenda 21 não só adota mas
consagra as metodologias participativas que há muito vinham sendo empregadas,
de modo periférico, aos sistemas de poder. O que torna a Agenda 21 tão atraente
para as organizações e grupos profundamente comprometidos com os valores
democráticos é justamente a centralidade que a participação ocupa na sua
metodologia de implantação. Por isso, o programa da Agenda 21 pode ser visto
como propiciador de um processo que adensa a experiência democrática dos
países.
· A sustentabilidade como uma ética
A sustentabilidade, conceito que
serve de eixo ao termo “desenvolvimento sustentável” é afirmada como um
valor na Agenda 21. Estabelece definitivamente a noção de que não haverá
sustentabilidade ambiental sem sustentabilidade social. Esta indissociabilidade
de ambas as noções implica uma ética em que a sustentabilidade para ser
alcançada exige estratégias em escala planetária de combate à pobreza, à
intolerância e à beligerância. Implica ainda o desenvolvimento de novas formas
de solidariedade de modo a garantir índices de governabilidade compatíveis com
o projeto global da sustentabilidade.
· A globalização positiva
Diante das visões negativas da
globalização e das análises que a vêem como um processo que adensa as
desigualdades existentes entre países, povos e grupos, a Agenda 21 é uma
espécie de agenda positiva da globalização. A expressão de um projeto global
onde se procura dar respostas e soluções à chamada crise ambiental planetária,
vista também como crise civilizatória, que afeta todos os povos do planeta.
Reorientar o vetor de nossa
civilização no sentido da sustentabilidade não é tarefa para uns poucos
privilegiados. O projeto global da sustentabilidade, tal como é concebido na
Agenda 21, afirma duas idéias positivas que reforçam uma concepção otimista da
globalização: a co-reponsabilidade implicando a idéia de co-gestão, e a
solidariedade em escala planetária.
OS COMPROMISSOS DOS PAÍSES COM A AGENDA 21
Em 1992 foram estabelecidas metas
para os governos que deveriam ser cumpridas até a primeira data de revisão da
Agenda marcada para 5 anos depois, quais sejam: Ô divulgar a Agenda; Ôrealizar processos de consulta amplos e
participativos, envolvendo os vários níveis de governo, representantes do setor
produtivo e das organizações da sociedade; Ô fazer diagnósticos e elaborar estratégias nacionais
de implementação de programas nas linhas de ação recomendadas pela Agenda.
O Brasil está atrasado na sua
campanha nacional e só recentemente instalou a sua Comissão Nacional de
Políticas para o Desenvolvimento Sustentável. Embora o binômio educação e
sustentabilidade não seja novo no campo da educação ambiental, o fato é que a Agenda
21 nos coloca a necessidade de dar concretude a todos os seus possíveis
componentes.
Por isso, podemos afirmar que
educar no espírito da Agenda 21 é praticar uma educação orientada para a
sustentabilidade.
EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE
Uma sociedade orientada para a
sustentabilidade redefinirá suas relações para com o meio ambiente, respeitando
seus processos metabólicos no que diz respeito à poluição, assim como a sua
capacidade de repor os seus recursos renováveis. No caso dos recursos não
renováveis, a alternativa é a substituição e o investimento em tecnologias
alternativas.
As sociedades sustentáveis
combatem o desperdício, levam em conta o processo coletivo, e o bem comum sem
violar os direitos individuais da pessoa. O projeto das sociedades sustentáveis
é bio-político, unificador em termos da racionalidade que propõe, mas
defensor da diversidade bio-sócio-cultural.
O papel da educação ambiental nas
sociedades que ainda não são sustentáveis é o de propiciá-la. É o de
sustentabilizar as práticas sociais e o domínio específico da educação,
entendida como socialização dos indivíduos e construção do cidadão.
O caminho mais fecundo para se
estabelecer uma diretriz para o campo da educação ambiental hoje, campo este
que ainda está se construindo, no calor das práticas diversas e idealistas,
está indicado em dois principais veios teórico-práticos da educação.
O primeiro pode ser identificado
sob o rótulo de “educação para a cidadania”, imbricado na ação política, este
legado teórico-prático coloca à disposição uma série de instrumentos
pedagógicos que, sem dúvida, otimizam uma perspectiva de sustentabilidade. A
“educação para a cidadania” apoia-se em metodologias da Agenda 21, ancoradas
em processos participativos e na idéia de que a sociedade é uma construção
coletiva.
O segundo é aquele que trabalha o
nível da cognição, do entendimento racional e emocional que os indivíduos e
grupos constróem a respeito de si mesmos e das coisas. É a alfabetização
ecológica, que propõe universalizar a compreensão básica de que a vida é uma
teia de relações interdependentes, devendo o ser humano dominar as noções
fundamentais de ecologia (natural e humana).
O
PAPEL DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A SUSTENTABILIDADE
Não existe, ao que se saiba, melhor instrumento de
transmissão que aquele disponibilizado pela escola e pela educação sistemática,
este conjunto de práticas e de conteúdos de informação que a sociedade acumula,
seleciona e redefine de tempos em tempos.
O projeto de uma sociedade sustentável, e o programa da
Agenda 21 nos conclama a olharmos para os nossos legados e fazermos a eles,
perguntas cruciais: Como educar para a paz? Como educar para a cooperação e a
solidariedade? Como construir a “cidadania ecológica?” Como frear a
racionalidade predatória que predomina em nosso modo de nos organizarmos social
e economicamente? Como construirmos novas formas de pensar a relação entre
natureza e cultura?
Neste sentido, a escola é agência privilegiada na
promoção dos novos valores que desejamos tornar vigentes. O papel dos
educadores, e da educação ambiental em particular, é, em primeiro lugar o de
clarificar o conceito de sustentabilidade, que não é um conceito óbvio, e
constituir junto à sua clientela (pais, alunos, professores e comunidade) seus
componentes.
Como todo conceito novo, não basta dizer só o que ele
significa em tese, é preciso também deixar claro como ele modifica as nossas
vidas e como implementá-lo na prática, no cotidiano.
Fora dos encontros acadêmicos, a sustentabilidade
tem sido pensada e proclamada como estando embutida dentro do conceito de
desenvolvimento sustentável, necessidade de promover o desenvolvimento
econômico sem aumentar a degradação do meio ambiente.
Tentando entender e esmiuçar o conteúdo desta sustentabilidade
afirmada a partir daí como possível, tem sido feito todo um esforço no sentido
de definir o conceito, ampliando seu escopo de atuação e significado. Assim, o
desenvolvimento sustentável, não como um novo modelo de desenvolvimento apenas,
mas também como um novo paradigma, passou a ser entendido, nos debates que
seguiram à Rio-92, como sendo o nome do processo que levará à sociedade
sustentável: aquela capaz de produzir sustentabilidade econômica,
cultural, social e ambiental.
Pensar a indissociabilidade dos fenômenos, ou seja pensar
que a sustentabilidade ambiental não vai existir sem a sustentabilidade
social, e vice-versa, faz parte da própria maneira de pensar dos ambientalistas
e agora pelos denominados sustentabilistas, que acreditam firmemente na
interdependência de todas as coisas e numa cadeia de relações que não é linear,
mas circular.
A questão, no entanto, que se coloca para os
formuladores de políticas governamentais e para os atores sociais interessados
em serem agentes de mudança, e sobretudo para os educadores de um modo geral,
está em como aplicar este conceito de sustentabilidade.
O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DO MMA
A educação ambiental é, sem dúvida alguma, a grande
ferramenta mundial na preparação do ser humano para o entendimento dos ideais
de sustentabilidade, que só poderão ser alcançados com a revisão dos valores
humanos, das atitudes éticas e dos comportamentos concretos, tanto, dos homens
entre si, como destes, com a natureza.
O Ministério do Meio
Ambiente, reconhecendo que a educação ambiental é o instrumento indispensável
para a sustentabilidade, instituiu, em fevereiro de 1999, o Programa Nacional
de Educação Ambiental.
Cumprindo com os mandatos
constitucionais e legais da Política Nacional de Educação Ambiental, Lei nº
9795/99 e se antecipando a necessidade de revisão e atualização das diretrizes
nacionais às novas situações políticas, sociais e educativas do país,
reconhecendo a educação ambiental como instrumento indispensável para
compatibilizar desenvolvimento econômico com proteção ambiental, justiça social
e melhoria da qualidade de vida, o Programa Nacional de Educação Ambiental, tem
como princípios orientadores:
· Enfoque Humanista, Holístico, Democrático e
Participativo
A gestão ambiental é um processo de mediação de
interesses e conflitos entre atores sociais que atuam sobre o meio ambiente.
Esse processo de mediação define e redefine,
continuamente, o modo como os diferentes atores sociais, através de suas
práticas, alteram a qualidade do meio ambiente e também como se distribuem na
sociedade os custos e os benefícios decorrentes da ação destes agentes.
Na medida em que o
conteúdo da Educação Ambiental se situa na relação sociedade-natureza, a sua
prática deve contar, necessariamente com a participação dos segmentos sociais
interessados na formulação, execução e avaliação das ações educativas.
· Descentralização
É necessário que as ações de Educação Ambiental sejam
concebidas e executadas de forma descentralizada no contexto da
co-responsabilidade da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
estabelecida na Constituição Federal de garantir, à população, os direitos à
educação e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A descentralização não pode ser compreendida como mero
mecanismo de transferência de tarefas administrativas ou o repasse de
atribuições para outras esferas de governo.
É necessário que no processo de descentralização se
estabeleça o controle da sociedade sobre as ações do Poder Público. Neste
sentido, a participação da sociedade organizada na gestão e execução dos
programas decorrentes da Política Nacional de Educação Ambiental é de
fundamental importância.
· Integração e estabelecimento de parcerias, local,
nacional e internacional
O estabelecimento de parcerias amplas no nível local,
regional, nacional e internacional apresenta-se como um instrumento
imprescindível para o êxito da Política Nacional de Educação Ambiental.
Deve ser entendida como uma prática
interinstitucional, voltada para o trabalho conjunto, com definição das
responsabilidades de cada parceiro perante a sociedade.
A integração das ações,
entre os âmbitos governamentais, em seus diversos níveis com as organizações
não governamentais, empresas, sindicatos, e outras organizações da sociedade
civil, permitirá uma melhor utilização dos recursos financeiros e humanos
existentes, possibilitando a obtenção e multiplicação de resultados no curto e
médio prazo.
· Respeito a pluralidade e diversidade cultural do país
A prática da educação ambiental tem como um dos seus
pressupostos o respeito aos processos sociais, culturais, étnicos,
característicos de cada país, região ou comunidade.
No Brasil a existência
de diferentes contextos ecológicos, sócio culturais e étnicos, cada um com suas
especificidades, constitui-se numa das riquezas potenciais do país para o
processo de construção de modelos alternativos de desenvolvimento sustentável.
Isto significa reconhecer que há diferentes formas de relacionamento entre as
sociedades locais e sua base de recursos naturais. Esses diferentes modos de
relacionamento determinam a existência de conhecimentos, valores e atitudes que
devem ser considerados e respeitados na formulação, execução e avaliação da
prática da educação ambiental.
· Multi, inter e transdisciplinaridade
A compreensão da
complexidade da questão ambiental exige uma abordagem metodológica que, sem
abrir mão do saber científico especializado, supere a fragmentação dos
diferentes compartimentos disciplinares em que estão divididas as diversas
áreas do conhecimento.
É necessário se utilizar da contribuição das várias
disciplinas (conteúdo e método) e das várias representações sociais dos agentes
envolvidos, para se construir uma base comum de compreensão e atuação sobre o
problema ou potencialidade ambiental identificada.
Implica superar a compartimentação do ato de conhecer,
provocada pela especialização do trabalho científico e também, a superação da
dicotomia teoria –prática em educação. Considerar a importância dos
conhecimentos das populações envolvidas, tendo em vista a especificidade do
contexto cultural e natural em que são produzidos e as formas de relações entre
a sociedade e a natureza que eles manifestam.
A integração dos diversos enfoques científicos e
comunitários, num processo interdisciplinar, se opera através da construção de
um modelo mental baseado na idéia de interação entre os diferentes fatores que
incidem num problema. É um processo cíclico, onde duas ou mais espécies de
conceitos evoluem conjuntamente e conduzem à compreensão de um novo nível de
complexidade.
· Enfoque sistêmico
É impossível conceber a
complexidade dos problemas e as potencialidades sócio ambientais e
educacionais, e atuar sobre eles, sem uma visão sistêmica, que possibilite
conceber o conjunto das inter-relações, e as múltiplas determinações dinâmicas
entre os âmbitos naturais, culturais, históricos, sociais, econômicos e políticos
A educação ambiental deve considerar a necessidade de
compreender o enfoque sistêmico, como um instrumento capaz de encontrar as
explicações que integrem os múltiplos aspectos da problemática ambiental
contemporânea.
· A construção social de novos valores éticos
Entender o ambiente,
como um fenômeno complexo, sistêmico e global emergente, significa aproximarmos
dele à partir de um novo paradigma conceitual, metodológico e ético.
O desafio que se coloca para a educação ambiental,
enquanto prática dialógica, é o de criar condições para a participação dos
diferentes segmentos sociais, tanto na formulação de políticas para o meio
ambiente, quanto na concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do
meio natural, social e cultural.
As propostas de uma ética centrada na valorização da
vida, modifica profundamente nossas atitudes e relações. Uma ética centrada na
vida implica a superação do antropomorfismo, e também das posturas
reducionistas do ecologismo, que centravam-se exclusivamente na natureza.
Seus princípios fundamentais são: a dignidade do ser
humano, a formação da cidadania democrática, respeito mútuo, justiça, equidade,
auto-estima, diálogo, generosidade e solidariedade.
O desenvolvimento de novas atitudes e valores democráticos
que viabilizem a participação critica nas decisões políticas e econômicas,
tanto no nível local, como global, pode significar um grande impacto para a
transformação da sociedade e das relações desta com a natureza.
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